quarta-feira, 3 de junho de 2009

Estrela Solitária

Por Marcia Glenadel e Maria Helena Avena


Encontro de botafoguenses no Bar Villarino: Vinicius sorri à cabeceira da mesa; logo à esquerda na foto, está Lúcio Rangel; à direita de Vinicius, o pequeno Pedro, seu filho; em pé à direita, o poeta Paulo Mendes Campos; logo abaixo dele, o radialista Fernando Lobo. Atrás deles, estão os célebres desenhos na parede; marca registrada do Villarino.

Vinicius de Moraes teve nove mulheres, mas seu coração também abrigava o amor pelo clube Botafogo de Futebol e Regatas. Longe de ser um torcedor fervoroso ou de, literalmente, vestir a camisa, o Poetinha afirmava que: “No Rio, a formação da identidade, passa, também, pela eleição de um time de futebol. O poeta, fiel à sua infância, escolhe o Botafogo. Não frequenta os estádios. Não lê o noticiário esportivo. Não ouve as transmissões pelo rádio. Mas, se perguntarem seu time, afirma: ‘Botafogo’. Não se trata de uma paixão, mas de uma senha para a cidadania”. Para cada novo amor, Vinicius dedicava um poema ou música. Para o seu amor solitário, o poeta escreveu o poema “O anjo das pernas tortas”* e um depoimento a um certo Mr. Buster, a quem Vinicius conheceu em Los Angeles quando lá morou.

No entanto, não há registros aprofundados da faceta botafoguense de Vinicius. Sabemos do fato através do livro de Sergio Augusto: Botafogo – entre o céu e o inferno (Ediouro, 2004) e de referências a Vinicius em blogs de torcedores do clube. Na sede de General Severiano, inclusive, a memória documental se perdeu em um incêndio. Botafoguenses de todo o mundo, revoltai-vos!

Em Botafogo – entre o céu e o inferno, Sergio Augusto “escala” um dream team de artistas e intelectuais; confiram: Schmidt, Bilac e Vinicius; Paulinho, Sabino e Clarice; Glauber, Otto, Veríssimo, Ivan e Antonio Candido. Esclarecendo: Schmidt é o poeta e empresário Augusto Frederico Schmidt; Paulinho é o escritor Paulo Mendes Campos; Sabino é o Fernando, colega e conterrâneo de Mendes Campos; Clarice é a nossa Lispector; Glauber ... o Rocha!; Otto é o Lara Resende, jornalista e escritor; Veríssimo é ninguém mais ninguém menos do que o Luís Fernando; Ivan é o Lessa, também jornalista e escritor; e Antonio Candido, crítico literário de renome. E, claro: Vinicius é o de Moraes.

Quem diria o nosso Poetinha em um time desses, hem? Até Orson Welles, com quem Vinicius estudou cinema em Los Angeles, rendeu-se aos encantos do clube alvinegro quando esteve no Brasil para a filmagem de "It’s All True". Foi no Calabouço, na Festa da Mocidade, destinada a angariar fundos para a recém-criada UNE, que Welles começou a ser “catequizado” por Luiz Paes Leme (um dos fundadores da UNE). Sergio Augusto registra em seu livro (p. 41) que:

“Orson Welles não precisou ir a um campo de futebol no Rio para escolher o time de sua simpatia. Bastou-lhe o Calabouço. Do resto da catequese deve ter-se ocupado Vinicius de Moraes, que acompanhou o cineasta a tudo quanto é canto da cidade e com ele tomaria aulas de direção, em Los Angeles, no final dos anos 1940.”

Vinicius de Moraes foi também um homem de muitos amigos e parceiros. Paulo Mendes Campos e Lúcio Rangel eram botafoguenses. Tom Jobim e Chico Buarque, tricolores. Cyro Monteiro, flamenguista. Toquinho, corinthiano. Nem as diferenças de clubes abalaram as sólidas relações de amizade do Poetinha. Eis aí um exemplo para se curtir o futebol sem violência, além de um exercício de alteridade. Vinicius era generoso e, com certeza, ficaria feliz com a paz no esporte. Aos botafoguenses, parabéns por terem em seu rol de torcedores tão ilustre poeta, jornalista, diplomata; enfim, uma figura humana ímpar.



*O Anjo das Pernas Tortas


A um passe de Didi, Garrincha avança

Colado o couro aos pés, o olhar atento

Dribla um, dribla dois, depois descansa

Como a medir o lance do momento.


Vem-lhe rápido o pressentimento; ele se lança

Mais rápido que o próprio pensamento

Dribla mais um, mais dois: a bola trança

Feliz, entre seus pés__ um pé de vento!



Num só transporte a multidão contrita

Em ato de morte se levanta e grita

Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: — Gooool!

É pura imagem: um "G" que chuta o "O"

Dentro da meta, um "L". É pura dança!


Vinícius de Moraes, 1962.

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