domingo, 21 de junho de 2009

Entrevista Exclusiva com Toquinho para Banheira


Foto: Site oficial Toquinho


Por Barbra Richard, George Barros, Mariana Camacho e Paloma Sarmento


O paulistano Toquinho (Antonio Pecci Filho) foi um dos muitos parceiros musicais do carioca Vinícius. Durante onze anos os dois compuseram mais de 100 músicas, gravaram 25 discos e se exibiram em mais de 1000 shows pelo Brasil, Américas e Europa. Apesar da diferença de idade (33 anos), a parceria entre ambos foi de muita afinidade e compreensão, sendo, talvez a parceria mais duradoura que Vinícius manteve em sua carreira.

A dupla foi pioneira na produção de trilhas sonoras para novelas de televisão como "O Bem Amado" para a TV Globo nos anos 70, além gravar dois discos de músicas infantis, inspirados em alguns poemas do livro de Vinícius, Arca de Noé.
Cantor, compositor e instrumentista, Toquinho compôs mais de duzentas músicas, muitas vezes em parceria com grandes nomes da MPB, como Jorge Benjor (Que Maravilha), Paulinho da Viola (Caso Encerrado) e Chico Buarque (Samba de Orly e Samba pra Vinícius).

Em entrevista exclusiva, por email, para A Banheira do Vinícius, Toquinho nos brindou com algumas histórias da sua parceria com o poetinha.

BANHEIRA DO VINICIUS: O início da parceria entre vocês, de acordo com diversas fontes, é controverso. Algumas dizem que o encontro se dá na Itália, durante seu exílio com Chico. Outras, em período anterior a este, em que sua mãe recebeu um telefonema do próprio Vinícius. Como se deu este primeiro contato afinal?
TOQUINHO: Nem um nem outro. Esse e outros episódios sobre minha carreira podem ser encontrados de uma forma autêntica no livro “Toquinho - 40 Anos de Música”, escrito por meu irmão, João Carlos Pecci, com relatos que juntam depoimentos meus, na íntegra. Em 1969, no último mês de minha permanência na Itália, ao lado de Chico, participei da gravação de um disco (“La vita, amico, é l’arte dell’incontro”) em homenagem a Vinicius de Moraes. Acabei gravando esse disco nos últimos dias em que fiquei por lá. O Bardotti (Sérgio Bardotti, produtor italiano) me chamou para completar o que já tinha sido feito com Sérgio Endrigo, o poeta Ungaretti e o Vinicius de Moraes. Faltava um violão que servisse de fundo para algumas poesias e algumas músicas. Eu fiz então esse alinhavo musical com meu violão. Voltei para o Brasil. Até aí, tinha estado com Vinicius umas duas ou três vezes, de passagem, um cumprimento, nem conversamos nem nada. Mas claro que ele já sabia de mim. Alguns meses depois, ao ouvir aquele disco, Vinicius ficou impressionado com os solos de violão. Por coincidência, havia marcado uma temporada de shows em Buenos Aires junto com Maria Creuza, e, precisando de um violonista, me convidou para ir com eles. Isso aconteceu em maio de 1970, quando ele ligou para casa e minha mãe atendeu. “É o Vinicius de Moraes”, ela me disse. Eu não acreditava. E era mesmo!

B.V.: Qual a inspiração para compor “A Tonga da Mironga do Kabuletê” ? Foi uma forma velada de protestar contra o regime militar?
T.: É um xingamento em nagô. Fizemos essa música no final de 1970, uma época especialmente cruel com a liberdade de tantos brasileiros. Vinicius estava casado com a baiana Gessy. Um dia, ela chegou dizendo que soubera daquela expressão em nagô e traduziu para nós. Achamos o som das palavras interessante e resolvemos usá-la para mandar muita gente pra Tonga da Mironga do Kabuletê. Mereciam.

B.V.: De acordo com a biografia “Vinícius, O Poeta da Paixão”, escrita por José Castello, a parceria de vocês era vista pelos universitários dos DCEs como uma oposição à oposição (ex. Tropicalismo). A proposta inicial era essa, ou de difundir uma nova proposta musical num país regido pela ditadura militar?
T.: Algumas de nossas músicas revelam uma visão social expressada por um simbolismo inteligente e poético. Não fazíamos oposição a nada, apenas criamos canções caracterizadas por uma simplicidade sofisticada, sem fugir do lugar-comum. Acontece que, diante das intrincadas e indefinidas tendências musicais da época, essas canções apareciam como música nova. Daí o título de nosso primeiro disco: “Música Nova...” Na realidade, o que fizemos foi resgatar raízes importantes da música brasileira. Minha melodia, calcada de uma certa maneira na Bossa Nova, e a letra de Vinicius, que voltava com fome poética de cantar o amor e o humano com a paixão que sempre fizera. A novidade era que essas canções podiam ser entendidas e cantadas de uma forma agradável e harmoniosa. As pessoas haviam se desacostumado dessa beleza simples e fácil de assimilar.

B.V.: Como você se sentia com esse Vinícius que, à época, se apresentava em circuitos universitários? Como era lidar com um Vinícius impulsivo, que um dia fora um diplomata, e agora freqüentava circuitos universitários, cercado por estudantes?
T.: Apesar da diferença de idade, Vinicius se mostrava tão jovem quanto eu. A parceria deu certo porque houve uma troca determinante: ele precisava da experiência da minha juventude; e eu, da juventude da experiência dele. Enfim, doamos a cada um o vigor que cada um precisava. Fomos os pioneiros dos Circuitos Universitários, e os estudantes vibravam diante da junção de duas gerações (eu, 23; ele, 56) que ofereciam a eles a aproximação com canções renovadoras e estimuladoras. Além de poder estar perto e dialogar abertamente com um poeta incansável na defesa do amor e da paixão em todos os sentidos.


Foto: Site oficial Toquinho

B.V.: Nessa mesma época de shows no meio estudantil, a imagem que era passada era a de um Toquinho classe média, bem comportado, que parecia destoar da realidade daquele Vinícius e dos jovens que cercavam a você e a ele. Como foi esse período pra você?
T.: Meu comportamento sempre foi muito saudável, antes e depois da convivência com Vinicius. Procurando ir ao encontro da vida, e não de encontro a ela. E Vinicius fazia isso também. Em tudo o que fazíamos, colocávamos a vida sempre na frente da arte, divertíamos-nos muito com as obrigações profissionais, tornando-as leves e prazerosas. Enfim, éramos ardilosos requintados, tanto nos bastidores quanto no palco de nossas existências.

B.V.: Dos circuitos universitários à produção de trilhas sonoras para a TV Tupi e TV Globo. Esta, inclusive, estreava sua primeira novela a cores “O Bem Amado” com toda a trilha composta por você e assinada também pelo Vinicius. Como foi essa transposição? O que os levou a essa mudança tão radical?
T.: Não houve nenhuma mudança radical, apenas a continuidade de um trabalho musical. Fomos os pioneiros também nas trilhas de novelas, cujas músicas valorizaram sobremaneira os roteiros e se transformaram em LPs de grande sucesso, como seqüência normal de nossas carreiras.

B.V.: Durante a parceria entre vocês, qual era a relação de Vinícius com os antigos parceiros musicais, como Tom Jobim, Baden Powell e Francis Hime? E a sua relação (se existia) com eles?
T.: Vinicius sempre esteve próximo de seus parceiros, mesmo depois de extinta a parceria, mantendo com eles uma amizade constante. Com isso, eu também me aproximava deles, os quais foram meus ídolos no início de minha carreira, e com os quais acabei mantendo até uma relação de trabalho, me tornando também muito amigo deles. Em 1977, trabalhamos juntos no memorável show do Canecão, no Rio de Janeiro, Tom Jobim, Vinicius, Miúcha e eu. Depois viajamos com o show para a Europa, onde, em Paris, Baden também participou do espetáculo. E Vinicius era sempre o astro maior, em torno do qual circulavam as demais estrelas.

B.V.: Uma frase de Vinícius tem grande repercussão até hoje: “São Paulo é o túmulo do samba”. Sendo você paulistano e parceiro de Vinícius, como lidava com isso? O que o poeta quis realmente dizer com essa declaração?
T.: Essa frase teve uma repercussão desmedida. Fizeram dela muito tamborim para pouco carnaval. Foi dita numa boate. Vinicius, revoltado com um grupo de pessoas que falavam alto e atrapalhavam a apresentação de Johnny Alf, insurgiu-se contra eles, a favor do talento e da música que estavam sendo desrespeitados. Nada mais do que isso. Jamais quis se referir aos compositores ou ao povo paulistano.

B.V.: Você estava na casa quando da morte de Vinícius. Como tudo aconteceu?
T.: Na época, eu fazia um show no Rio, com Francis Hime e Maria Creuza, e estava hospedado na casa do Vinicius. Naquela noite, ficamos conversando, só nós dois, até de madrugada, cantando músicas e recordando passagens de nossas vidas. De manhã, às sete horas, a empregada bateu na porta de meu quarto, gritando. Vinicius estava na banheira, passando mal. Quando cheguei perto dele, ele estava desacordado, respirava pouco. Tentei chamá-lo, reanimá-lo, ele não respondia. Chamei por uma ambulância, mas quando o médico chegou, ele já estava morto. Foi meio desesperador. Depois agradeci a Deus por ter me escolhido para passar com ele os últimos momentos de sua vida.

B.V.: Qual o legado de Vinícius para as novas gerações de artistas? Ele ainda é lembrado hoje da forma com a qual você acredita que o poeta deveria ser lembrado? E para você, quais as recordações da parceria com ele?
T.: Vinicius continua vivo, pois sua poesia e sua música são imortais. Cada vez mais celebrado em shows, em filmes, em trilhas de novelas e até em publicidades. Os momentos mais marcantes foram aqueles que acentuaram nossa amizade. Tenho saudade do Vinicius dos papos noturnos, das mesas de restaurantes, do uisquinho da tarde, das viagens inesquecíveis. Aprendi muito com ele, que me fez evoluir profissional e pessoalmente.

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